Tem espaço no mundo (e nas estantes) para todo tipo de história. O que é legal para mim pode não ser para você e vice-e-versa, ou mesmo o que é legal para mim no humor de hoje pode não ser amanhã. Posso querer para hoje algo mais denso e cheio de significados, enquanto amanhã posso querer uma comédia bem leve. Posso querer um terror de arrepiar e amanhã um romance que estoure meu índice glicêmico. Às vezes quero apenas a segurança de saber exatamente o que vou encontrar na leitura.
Então, não vejo mal nenhum em um livro épico, com um dualismo maniqueísta sem maiores questionamentos, o protagonista passando pela jornada do herói sendo que dá para marcar em uma cartela de bingo os elementos ou passos da jornada, personagens rasos que só estão ali para cumprir papéis pré-determinados sem maior preocupação em desenvolvimento, vilões megalômanos e todas essas coisas. Na verdade tem épocas em que quero esse tipo de leitura, que quando bem feita é bem divertida (ainda mais para quem tem gosto por uma boa high fantasy).
Então, fui atrás de um clássico do gênero. A série Wheel of the Time é uma das mais famosas e mais queridas do gênero high fantasy, com vários e apaixonados fãs, fóruns de discussão, vários produtos derivados como jogos eletrônicos e rpg’s… enfim. Todo um universo de fãs não pode estar errado em apontar apelo e carisma na série, então era um livro que valia ser lido nem que para conhecer do que se tratava.
A edição escolhida foi o pocket em inglês de The Eye of the World, o primeiro livro da série. Ele chegou a sair em português, com o título de O Olho do Mundo, mas por uma editora pequena, de distribuição ruim e com preço nada convidativo. Assim fica difícil, né? Já ouvi boatos de uma reedição, mas nenhum indício factual de que ela possa ocorrer dentro de breve.
(e uma nota sobre a edição em inglês: quem acha o vocabulário do Martin difícil em inglês – não acho, tirando um termo ou outro é bem tranquilo em termos de vocabulário e estrutura – deveria pensar duas vezes antes de ler esse livro. O vocabulário é bem rebuscado, dá para se perder bonito de vez em quando mesmo já tendo o hábito de ler em inglês. Dá para ler até o fim sem problemas de compreensão, claro, mas não é o livro mais tranquilo do mundo, pelo contrário).
A série não tem pretensões de oferecer mais do que o feijão-com-arroz e nesse segmento de high fantasy épica, é uma das mais queridas e comentadas. Claro, como já dito não há a menor vontade de reinventar a roda ou romper paradigmas de gênero, mas também não há nenhum problema quanto a isso. O problema é outro e talvez já comece a ser explicado, ou intuído, por uma historinha.
No começo, Robert Jordan, o autor, planejava uma série de poucos livros, mas o próximo nunca era o último. Foi virando uma série de 8, 10, 12 livros… até que o autor morreu antes de fechar a saga. Isso mesmo. Infelizmente, ele foi vítima de um câncer rápido e letal, mas não sem antes passar as diretrizes do último livro para Brandon Sanderson… que o dividiu em três. Mas agora vai. Esperamos.
Esta é a história de Rand Al’Thor, um garoto de uma vila do interior perdida na fronteira entre o nada e o lugar nenhum (pééé), órfão de mãe (pééé) e que obviamente não é quem imagina ser (pééé). Um belo dia, uma misteriosa mulher que vem a ser uma Aes Sedai (feiticeiras poderosas e temidas) aparece, Coisas Estranhas Acontecem e Rand e seus amigos Perrin (Pé-rrin!) e Matt (acompanhados por mais um monte de gente), ouvem o Chamado da Aventura e precisam buscar seu Verdadeiro Destino (que, claro, está diretamente ligado ao Despertar do Mal Supremo).
(bingo!)
Achei que a narrativa da primeira parte do livro cairia muito melhor como jogo de videogame no estilo dos RPGs clássicos do Super NES (os Final Fantasy, Chrono Trigger, etc). Na verdade, seria um jogo bem legal de ser jogado (e para mim cairia bem melhor assim, com party, NPC’s, lojinhas de armas e suprimentos, eu podendo explorar o cenário pixelado e coisital). Na verdade, a partir de determinado ponto já conseguia enxergar os bonequinhos andando pela grama verde e pelas casinhas, tendo batalhas randômicas, sub-chefes e até mesmo chefões mais poderosos. Sério, daria um videogame de console bem legal, mas como livro, não achei tão forte assim.
E claro, o grande problema que achei no livro todo. Personagens sem carisma? Dá para se sobreviver (porque Rand Al’Thor não tem carisma algum e é o protagonista, o Matt e a Nynaeve além de não terem carisma são chatos, os únicos personagens que achei legaizinhos – e ênfase no “inho” são o Perrin (e de certo modo a Egwene) depois que se separam do grupo principal). Roteiro jornada do herói clichê sem nenhuma inovação? Como já comecei a resenha anunciando, não vejo problema algum nisso.
O problema é a enrolação.
Claro, pelo tom da história, temática e tudo mais, dá para perceber que provavelmente vai ter mais de um livro, então dá para esperar que o começo, até por ambientação e apresentação de personagens, seja mais devagar. Só que aqui as coisas são, digamos assim… devagar demais. A edição que li tem mais de 800 páginas e até a página 300, eles mal chegaram na primeira cidade do mapa. E acontece tanta coisa relevante assim? Não.
O mesmo mais para frente. Mais 300 páginas até a próxima cidade, sendo que tem dois capítulos NOS QUAIS OS FATOS SE REPETEM. Nessa hora parei, larguei o livro pra lá e fui seguir minha vida. Se voltei para ele foi porque já tinha ido longe demais e queria ver onde terminava.
Não é aquele livro que dá gana de ler o próximo capítulo. Mais do que isso, as coisas demoram muito para acontecer, ficam no meio da embromação, são tantos detalhes que não estão construindo nada (tudo bem, alguns até dá para aceitar que são sementes que estão sendo plantadas, mas outros…), até mesmo o fator “isso é inútil, mas é cool” não acontece (com uma honrosa exceção: Egwene, Perrin, os lobos e a comunidade hippie medieval). O que acontece? O leitor desanima, perde o interesse.
Para nem chegar no final onde vilões tirados do sovaco aparecem (ao invés de só um enfrentamento básico com o vilão principal desse livro, que já se delineava), onde tudo termina numa correria danada e dá-lhe pontas soltas. Aliás, bom notar que o plot DESSE livro (levar os protagonistas da pacata cidadezinha X para a capital mágica Y) não se fechou. A história parou no meio do caminho e ficou por isso mesmo.
De onde concluo que se o autor não gostasse tanto de uma embromaçãozinha, tinha terminado com uns cinco ou seis livros e tava ótimo… Dava para ter tirado metade do livro (e ainda ficaria um livro grande para não vir a desculpa de “grande para adequar-se ao mercado americano”), apresentado personagens, universo, plantado as sementinhas e feito tudo fluir que é uma beleza.
Até dá para entender o apelo da série e o fato dela ter durado tanto e ser tão querida, mas para mim… Conheci, não agradou e fim de registro.
Se alguém quiser meus comentários durante a leitura e perceber o quanto perdi a paciência com o livro, só ver minha ficha do Skoob. Spoilers à beça, já aviso 😛
***
Se ainda assim você quiser conferir por si mesmo, tem o livro na Livraria Cultura, só encomendar aqui!
***
Até a próxima!
Deixar mensagem para talkativebookworm Cancelar resposta