Antes de começar a resenha tem “causo” pra contar: quando fui a São Paulo para o lançamento do Meu Amor É Um Vampiro, em junho, a Ana Cristina Rodrigues, também participante do livro, tinha um almoço marcado com alguns membros do Grupo Silvestre – inclusive, Felipe Pena, o dono do blog linkado ao lado, era um dos presentes no citado almoço. O manifesto tem a interessante proposta de valorizar a literatura de entretenimento, vista como marginal, secundária, pequena, de segunda classe… Enfim, voltarei ao tema no post e algum dia falarei disso com calma. E quem estava presente no almoço? André Vianco.
Almoçando, conversa vai e conversa vem, em um desses acidentes de percurso ele acidentalmente derrubou uma taça de água nesta que vos escreve. Lembrem-se: eu lançaria dentro de algumas horas um livro sobre vampiros e o mais conhecido autor brasileiro contemporâneo de terror e fantasia tinha me acertado água. A simbologia é óbvia e resolvi tomar como o melhor dos presságios – um batismo como escritora profissional. 🙂
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Literatura não se limita à produção acadêmica, pelo contrário. Já falei um pouco sobre isso antes, mas nunca é demais repetir. Existem os autores que estão preocupados em utilizarem-se dos fundamentos da teoria literária para fazerem obras de arte atemporais (ou ao menos tentam), de usarem palavras e transformá-las em poesia, de utilizar a ficção para filosofar… E outros que querem principalmente entreter o público, garantir uma leitura leve e divertida.
E o que o André Vianco quer oferecer ao seu leitor é: entretenimento. Diversão. Como um bom blockbuster pipoca de ação, desses que servem para desligar o cérebro e curtir – e que jamais ganharão um Sundance, um Cannes ou um Festival de Berlim… mas farão grande bilheteria, arrasarão no boca-a-boca e alguns deles até gerarão mini-fandoms.
Claro, como o Vianco atingiu notoriedade e sucesso, começam os detratores. Os livros são ruins, são isso, são aquilo, são aquilo-outro e blablabla. Muito curiosa para saber a origem de seu sucesso, resolvi encomendar um livro e ver qual era e não gostei do que li por uma série de razões.
Mas da mesma forma que alguns outros autores, resolvi dar ao autor uma segunda chance para tentar entender por que ele tem tantos fãs, suas oficinas no Fantasticon estão sempre cheias. Como não gostei muito do primeiro livro que li fui deixando pra lá, deixando pra lá, até acontecer o incidente acima e aparecer uma linda e providencial promoção dos livros dele numa das lojas online que você encontra no banner aí do ladinho… -> 😛
Os Sete foi o escolhido por ser seu primeiro livro de vampiros e por ter só uma continuação realmente direta. Comecei a ler de coração aberto e preparada para encontrar diversão despretensiosa.
Agora eu vou dizer que o livro é lindo e maravilhoso e a melhor coisa que já li na vida? Não. Mas o autor entregou exatamente o que eu como leitora comprei: DIVERSÃO.
A história acho que todo mundo conhece: um grupo de jovens mergulhadores de uma cidadezinha do Rio Grande do Sul encontra uma caravela naufragada e dentro dela uma caixa de prata contendo sete cadáveres e avisos expressos para que eles continuassem selados. Não é preciso pensar muito para saber que são sete vampiros poderosíssimos, presos por caçadores na Portugal do século XVI e que despertarão no Brasil dos dias de hoje para continuarem seu rastro de destruição.
Mas os vampiros aqui não são só tradicionais chupadores de sangue e transmorfos em morcegos: eles têm poderes monstruosos como convocar o gelo, tempestades, acordar os mortos ou transmutar-se em lobisomem e farão uso deles para capturar novas vítimas e procurarem vingança do caçador que séculos atrás conseguiu prendê-los e distanciá-los de suas terras portuguesas.
Os vampiros aqui não escondem sua natureza de monstros. Matam sem dó, se alimentam sem remorso e lutam contra os humanos como se fossem baratas. Mas não é por isso que estão isentos de sentimentos: até determinado ponto, possuem uma aliança entre si, e como temos a oportunidade de ver o mundo pelos seus olhos, dá para criar empatia pelos personagens, em especial por Inverno e Gentil.
Os humanos são então forçados a tentar pará-los antes que o foco de destruição saia da pequena cidade – e o protagonista, Tiago, além disso, precisa salvar sua amiga Eliane, que parece atrair os monstros. Então dá-lhe exército, tiro, tática, mordida, porrada, sangue espirrando, tensão e perseguição. Para quem gosta de ação, é uma ótima pedida – assim como para quem anda enjoado de vampiros brilhantes e românticos, o pessoal aqui quer é tocar o terror.
E CLARO, tudo isso se passa no Brasil com personagens que falam português e que poderiam ser qualquer um dos leitores, além de passear por uma cidadezinha litorânea fictícia, Porto Alegre e principalmente Osasco, a terra natal do autor (e DÁ para ver a diferença quando o autor se propõe a descrever o mundo que está mais imediatamente ao seu redor).
Mas aqui entra o mais grave defeito do livro (que se repete em outros livros – curiosamente, a próxima resenha, que também vai ser de um livro nacional, vai voltar a esse ponto): faltou a mão de um editor, faltou aquele acabamento no material pronto.
Para começar: dava para fazer uma boa lipoaspiração no livro, cortar metade dos coadjuvantes com nome e sobrenome, que só aparecem para terem seus quinze minutos de fama e não influem em nada no transcorrer das coisas. Dava para fazer uma boa intervenção no desfecho – que ficou um pouco arrastado porque a sequência demorou demais para se resolver – e tornar as coisas mais ágeis. O livro tem 400 páginas, mas poderia facilmente e de uma maneira mais fluida, contar a exata mesma história em 300 – o que evitaria muitas passagens em que a leitura acaba se arrastando.
Outra coisa: tem umas falhas de construção de cenário (como o IML dentro de um cemitério e não dentro/próximo a um hospital, como é o usual ou o que o trem transporta, isso para não dar um spoiler) que um editor poderia enxergar e consertar, já que é coisa pouca – e até dava para deixar passar outras coisas grandes, já que a suspensão da descrença aqui é semelhante ao Duro de Matar ou o Máquina Mortífera – pensar “pô que apelação!” é meio parte da graça.
Uma reclamação comum que vejo por aí é em relação à linguagem do autor. Realmente, o Vianco está longe de ser o autor mais lírico que já li, mas a linguagem que ele usa é o coloquial que se conversa na lan-house, no cafezinho, no boteco. Inclusive, essa coloquialidade ajuda bem na naturalidade dos diálogos, que fluem bem.
Outra coisa é que a trama do interior do exército, que vai bem na primeira metade do livro, é esquecida na segunda, em que Tiago e Eliane vão para o centro da ação. Dava para ter balanceado melhor os dois focos da trama até o final (e deixar as coisas mais enxutas, tb).
Não é uma leitura que vá agradar a todos os gostos, como filmes de ação também não agradam, mas que vale para desligar a cabeça e curtir o prazer de ver as coisas explodirem.
E deu para entender perfeitamente qual apelo que torna o livro um best-seller (lembrando que não houve uma campanha de marketing na época de seu lançamento), mas pretendo voltar ao assunto algum dia… 🙂
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Até a próxima!
Essa é a penúltima resenha de 2010, teremos mais uma e depois férias!
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