Há gêneros, especialmente no cinema e derivações como seriados atuados ou animados que têm seu apelo próprio e regras próprias, além de fãs próprios e de toda uma mística particular: um deles é o de robôs gigantes e monstros. Geralmente são produções B, que vêm desde o japonês Godzilla a outras variações orientais, como os milhares de tokusatsus, passando por tradições ocidentalizadas como Transformers (mais a linha original Hasbro de muitos anos atrás e menos a série cinematográfica de Michael Bay). Temos Macross e Robô Gigante e milhares de outros exemplos em nossa cultura, que cativam desde a infância e seguem pela vida.
Agora imaginem uma superprodução hollywoodiana sobre robôs gigantes enfrentando monstros. COMO poderia ficar ruim?
A primeira coisa a falar sobre o filme é sobre a tradução do título. Nada parece mais distante do que “Pacific Rim” e “Círculo de Fogo”, como ficou em português, até você se dar conta de que estes são os nomes dados em ambos os idiomas para a mesma região geográfica existente no Oceano Pacífico, onde se passa a trama – e que, por incrível que pareça, é uma tradução literal.
A história é o básico do gênero: monstrengos gigantes alienígenas (os kaiju) vieram de uma fenda dimensional aberta nas profundezas do Pacífico, prontos para destruírem a humanidade. Já que as armas convencionais eram incapazes de vencê-los, foram desenvolvidos os jaegers, robôs gigantes (mesmo) pilotados através de sincronização neuronal com seus dois pilotos. Bom ressaltar que os dilemas de sincronização homem-máquina principalmente no que afeta emoções e memórias também é um tema bem clássico do gênero.
No começo, tudo deu certo, mas os kaijus eram mais inteligentes e insistentes do que se imaginava e o programa jaeger está destinado à descontinuidade – só que, com as reviravoltas e o plano B dando errado, eles são a única esperança da humanidade.
E dá-lhe lutas entre robôs e monstros, robôs e monstros, dá-lhe a regra do rule of cool. E para quem, como eu, cresceu vendo animes, para quem Evangelion (não sou da época de Macross, me odeiem 😦 ) marcou época, era muita emoção. Era ver muito mais do que um filme – mas uma declaração de amor a um gênero. Da mesma forma que A Invenção de Hugo Cabret é uma declaração de amor à arte cinematográfica mais nobre, Pacific Rim o é para aquele tipo mais “vulgar” de cinema, o de entretenimento barato porém de fortes laços afetivos.
Os personagens são mais ou menos o que se espera do gênero também: o chefão abnegado, durão e que leva o extermínio dos monstros como questão pessoal; o piloto-herói-relutante que tem contas pessoais a acertar; a moça cujo sonho é pilotar e isso a levará às últimas consequências; o garotão arrogante que no fundo só quer provar seu valor ao pai; o cientista maluco que não está nem aí em arriscar a vida pelo seu experimento. Com essas bases dá para se tirar a trama.
Claro que há algumas inconsistências óbvias no roteiro, mas no geral é uma trama-padrão para esse tipo de história. Pena não haver tempo, mas dava para investir mais na interação entre os pilotos, já que sincronia é tudo para conseguir pilotar o robô (e um dos maiores problemas reside aí – determinado problema gravíssimo desaparece de repente, sem maiores repercussões). Na verdade, o filme tem uma trama bem parecida com Independence Day (com a diferença óbvia que NÃO são os EUA que salvam o mundo no final, que não é um filme fundamentado em ufanismo). Mas estas são logo ofuscadas pela beleza do visual e pelas deliciosas batalhas (ouvir, como em desenhos, que “agora está tudo perdido” “não está tudo perdido, temos uma última arma, nossa espada retrátil!” é SIMPLESMENTE DEMAIS).
Outro ponto que merece muita atenção é a trilha sonora: é simplesmente magnífica, a melhor trilha de filme em ANOS (e estou incluindo a trilha de Tron Legacy na comparação). A equipe de som acertou em cheio.
E outra coisa interessante é ver perfeitamente o dedo de Guillermo del Toro no processo: o diretor de fantasias sombrias como a adaptação de Hellboy e o fantástico O Labirinto do Fauno (um dos meus filmes prediletos) deixa sua marca pessoal – é lindo também ver como os aliens invasores lembram seus monstros clássicos, como os habitantes do mundo de Hellboy ou os monstros do mundo do Fauno. Apesar da proposta completamente diferente, há uma identidade visual bem interessante entre os filmes.
Minha maior pergunta ao sair do cinema foi: como Avatar conseguiu ser a melhor bilheteria de todos os tempos e Pacific Rim deu errado nos EUA? E a certeza de que, trilhando pelos rumos certos, del Toro tem tudo para se tornar o sucessor de James Cameron.
P.S.: houve uma certa polêmica na internet sobre o fato do filme não passar no teste Bechdel (um teste sobre representatividade feminina no cinema, tema que pretendo explorar com mais calma em outra ocasião). O teste não determina se um filme é bom ou ruim, tampouco se um filme é feminista ou não – diz respeito apenas à representatividade feminina em filmes, em especial de ação (o que a falta de representatividade feminina representa é outra questão). Houve a elaboração de um teste alternativo, chamado teste Mako Mori (que é interessante como exercício teórico, pois sim, há filmes que não passam no teste mas possuem personagens femininas fortes, mas não pega o ponto do teste Bechdel original), por causa dessa celeuma, mas meus vinte centavos são: sim, a personagem feminina do filme é bem mais forte e elaborada do que personagens femininas em filmes de ação costumam ser, ela não está num plano secundário ou terciário, está lá no olho do furacão (basta pensar no exemplo anterior, Independence Day – nenhuma mulher está na linha de frente ou tem algum papel importante a desempenhar). E ela nunca, nunca é diminuída pelo gênero ou a tratam de forma diferenciada por ser mulher – os problemas com a pilotagem são de outra natureza – a única ocasião em que há alguma piadinha besta referente a isso, é feita por um personagem que é feito para ser antipatizado e em provocação direta a outro personagem.
Também tem de se levar em consideração que esse tipo de filme é uma variação da temática militar, predominantemente masculina. Só que acho que poderia se passar no teste, por exemplo, colocando irmãs russas como pilotas e não um casal de irmãos, ou algum membro do staff técnico ser mulher e trocar uma frase com Mako. E, sinceramente, não foi algo que incomodou minha apreciação do filme – até porque, como disse, Mako é um dos pontos pivotais da trama.
***
Até a próxima!
Deixar mensagem para hifasoRoberto Ferreira Valderramos Cancelar resposta