Cinquenta Tons do Sr. Darcy – Emma Thomas
14/02/2013 3 Comentários
É uma verdade universalmente reconhecida que um clássico gera o desejo da iconoclastia. Aliás, essa iconoclastia é até mesmo saudável, pois obras e conceitos intocáveis não são nada saudáveis – e para que a quebra seja eficiente, quem a faz deve conhecer a obra original para tal.
Orgulho e Preconceito é uma das obras mais importantes da literatura inglesa. Um jovem provavelmente lerá o livro no colégio em países de língua inglesa, inclusive (e será que pegarão a ojeriza aos clássicos tão comum entre os alunos pátrios?). É muito mais do que um romance: é o retrato e crítica social de uma época que aparenta ser tão glamourosa, mas que continua se aplicando aos dias atuais, como o peso da conta bancária de alguém, prestígio social, preconceitos à primeira vista e mal-entendidos.
E como todo clássico, é constantemente renovado, tanto pela adaptação para outras mídias (tem ao mínimo três versões em filmes/séries de TV, incluindo uma muito clássica da BBC) quanto por recontagens (por incrível que pareça O Diário de Bridget Jones é uma versão moderna da obra) e paródias (como a precursora da onda de mashups Orgulho e Preconceito e Zumbis). Acho todos os casos válidos, pois é assim que o clássico se mantém vivo, não imutável e encostado na parede pegando poeira, traça e teia de aranha.
A proposta da autora (bom, é um pseudônimo, mas como é um personagem feminino referirei-me a ela assim) é parodiar e em paródias nada é sagrado. Ainda mais com a segunda intenção (hein hein) dela, que é mostrar por contraste o quanto Cinquenta Tons de Cinza é ruim. Acho que não preciso apresentar o segundo livro, não é mesmo? O fenômeno editorial de 2012, o livro erótico que conquistou as mulheres que não querem o estigma de literatura de banca, amado e odiado. Assim sendo, Lizzie Bennet e Fitzwilliam Darcy assumem os papeis de Ana Steele e Christian Gray em pleno ano de 1812.
O livro não tem pretensão alguma de seriedade: é propositadamente anacrônico (com direito a personagens que comem doritos e fazem referências moderninhas), a grande maioria das frases é de duplo sentido, bem como os nomes dos personagens secundários, as situações são o mais absurdas possíveis. E os acontecimentos dos dois livros se mesclam, mostrando principalmente a fraqueza narrativa do segundo.
E esse escracho é a melhor parte: mostrar personagens fracos, trama boba, vícios de escrita piores ainda. Aliás, a melhor forma de definir o livro é essa: escracho (o que me faz crer que a pessoa dona do pseudônimo é americana, pois o humor inglês é muito mais autodepreciativo e sutil), uma versão literária de um Todo Mundo Em Pânico, com um resultado até bem engraçado. Temos até mesmo a volta do crocantíssimo sexo com frango!
Para relaxar, desligar da realidade e tudo, é uma ótima opção, mas algo em mim se incomodou profundamente a ver um casal protagonista tão forte reduzido a personalidades rasas e patéticas. Mas tudo bem: intencionalmente ou não, é um livro que realça o grande abismo existente entre um clássico e uma modinha literária pronta a ser esquecida.
***
Até a próxima!
Não tem sexo com frango nas tags? XD
Vacilei 😦
Pingback: Orgulho e Preconceito – Jane Austen | Leitura Escrita