O Jardim do Diabo – Luis Fernando Veríssimo
05/02/2013 Deixe um comentário
A associação mental imediata entre Luis Fernando Veríssimo e um texto é obviamente o humor. Não o humor rasteiro das falsas mensagens na internet atribuídas a ele, mas o humor sutil do ridículo da realidade, aquele pontual e direto ao alvo. Suas crônicas são clássicas, algumas impagáveis, e poucos em nosso idioma conseguem uma sátira do cotidiano tão certeira. O Jardim do Diabo foi seu primeiro romance, será que ele conseguiria replicar o efeito de suas crônicas?
(e sobre o Luis Fernando Verissimo, uma coisa que me deixa intrigada: taí um autor que em todas discussões de “brasileiro não lê autor nacional”/”brasileiro não lê os autores que quero que ele leia”, ele passa ignorado. Não achincalhado como Paulo Coelho, mas ignorado completamente. Curioso, não?)
Mas, continuando, este é seu primeiro romance publicado e se a busca é por um livro humorístico, o leitor poderá acabar se frustrando. Não que a narrativa não seja bem-humorada e faça uso de gags cotidianas para gerar algum humor, mas está muito mais para uma viagem filosófica sobre o sentido da vida e da literatura.
Estevão é um escritor de romances pulp (esses de banca de produção massiva) e trabalha em sua próxima criação, até ser visitado pelo dr. Macieira, delegado, celebridade nos programas policiais sensacionalistas, uma espécie de doppelganger e que procura ajuda para investigar um crime, ocorrido de forma idêntica àquele narrado no romance ainda não publicado.
O metatexto é óbvio, tanto num sentido interno (o livro de Estevão como um paralelo à trama) quanto externo (o conjunto dialogando com o leitor) – e, claro, a paródia do autor aos pulps policiais e de espionagem é impagável, com direito ao protocolar vigor sexual do protagonista, a fórmula de bolo de composição dos livros.
Mas o humor das primeiras páginas vai ao pouco dando espaço às reflexões existenciais mais profundas, ao papel da literatura como redenção pessoal, como forma de digestão e expressão dos traumas – e de como o livro será a catarse de seu autor, com consequências não somente para ele. Do filho que vive à sombra do pai (curiosamente retomado em livro posterior e que conhecendo a família Veríssimo algo que certamente diz respeito ao próprio autor), que tem uma vida vazia e dependente e cuja relação familiar produz seus ecos até hoje.
Outra coisa que achei digna de nota é que após o primeiro ato eu já sabia o que viria. Algo como adivinhar o assassino nas primeiras páginas de um livro de Agatha Christie, um conseguir comunicar-se com a linha de raciocínio do autor ao ponto de antever os próximos parágrafos. Não é algo que prejudique a leitura, mas eliminou o fator surpresa.
Enfim, uma leitura interessante, até por revelar a faceta romancista de um cronista consagrado, bem como um tom filosófico-existencial que também pode ser inesperado.
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Até a próxima!